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Clipping – Paulistão de Natação na ABDA forma primeira árbitra surda

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Fonte: ABDA

Quem esteve no Paulistão de Natação na Arena da Associação Bauruense de Desportes Aquáticos (ABDA), de 14 a 18 de julho, talvez não tenha notado entre os membros da arbitragem da Federação Aquática Paulista (FAP) a presença de uma pessoa muito especial.

Raquel Couto Amaral, 38 anos, realizou em Bauru a etapa final de seu curso online de arbitragem em natação, tornando-se a primeira árbitra surda. Acompanhada da intérprete de libras, Julia Mary Rodrigues, a paulistana se mantinha atenta ao realizar a parte prática do curso, o mais recente desafio vencido por Raquel ao longo dos anos.

Daniel Schneider, presidente da Comissão de Arbitragem da FAP, árbitro FINA e responsável pela arbitragem no Estado de São Paulo, comenta que já passaram pelo curso algumas pessoas com deficiências físicas, mas Raquel é a primeira surda. “Sempre procuramos incentivar e apoiar, nunca excluir. Lógico que há funções que acabam limitadas em função de algumas deficiências, mas a Federação sempre buscou a inclusão, inserindo a pessoa na função adequada”, explica.

A presença da intérprete foi muito importante nessa parte prática do curso. “Estou muito grata pela acessibilidade que a FAP e ABDA permitiram. Foi muito importante, pois fiz muitas perguntas sobre a arbitragem e conversei com a equipe. Superei essas dificuldades, consegui me comunicar com a equipe no trabalho até sem a intérprete e aprendi muita coisa”, comemora a mais nova árbitra.

Raquel e Júlia durante o Paulistão FAP na Arena

Raquel e Júlia durante o Paulistão FAP na Arena

História de superação – Raquel trabalha como auxiliar administrativo na biblioteca da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) onde cursa o último ano de Licenciatura em Educação Física. “Fiz a parte teórica do Curso Online de Arbitragem de Natação FAP em 2020, em parceira com a USCS. Nessa semana, fiz a parte prática como estagiária no Paulistão FAP de Natação, em Bauru. Estou aprendendo muita coisa e gostando muito de trabalhar com arbitragem”, afirmou Raquel que também é atleta.

Ela conta que os pais a incentivaram a praticar natação aos 10 anos por conta das informações da escola para surdos. “Tive professores e equipe excelentes da academia Toshio, sempre campeões na FAP. Participei de provas aquáticas e de maratonas aquáticas da FAP, ganhei muitas medalhas e muitos troféus. Sempre fui ativa e fiz vários esportes até triatlo, por 6 anos. O Instituto Mara Gabrilli me convidou para fazer parte dele, fiquei muito feliz e não parei de competir nas provas”, relembra.

Raquel (de boné) com os amigos da academia Toshio

Raquel (de boné) com os amigos da academia Toshio, sempre campeões nas competições

Com essa bagagem na natação, ao ver a publicação da USCS sobre o curso de arbitragem de natação da FAP e contar com o incentivo do companheiro José Elton, que também é surdo, Raquel não pensou duas vezes em participar. “Gosto muito da natação, de assistir a uma competição dos atletas, de trocar ideias com uma equipe, de ter conhecimentos e aprendizagens”, afirma.

Como atleta, Raquel já participou de provas de natação, triatlo, corridas, das surdolimpíadas e de ciclismo. “Fiquei em 4º lugar no ranking do triatlo, categoria 30 – 34 anos, e fui convocada para competir na prova do Triathlon de Canadá/Edmonton. Tudo foi realmente incrível!”, relembra Raquel que foi a primeira surda triatleta nacional.

Ultrapassando barreiras – O esforço e a superação de Raquel mostram que não existem barreiras quando há força de vontade. “Perdi a audição aos 2 anos de idade após ter uma otite aguda, infecção por bactérias e vírus que provoca inflamação e/ou obstruções. Por isso, tive caxumba, sarampo, febre alta e tomei antibiótico forte. Minha mãe ficou muito insegura por eu ter a perda de audição bilateral e procurou informações sobre educação especializada e fonoaudiologia, mas não havia tanta tecnologia avançada, adaptações e acessibilidade”, conta.

“Comecei a usar os aparelhos auditivos aos 5 anos e só ouvia um som grave e entendi um pouco. Tive aprendizagens atrasadas como a leitura, a escrita e a comunicação total. Esforcei-me para crescer me adaptando às situações difíceis da vida, até completar a graduação, buscar informações, conhecimentos, viver um mundo novo, a natureza etc”, relata.

Raquel no 1º Juegos Desportivos Sudamericanos de Sordos - 2014

Raquel representando o Brasil no 1º Juegos Deportivos Sudamericanos de Sordos, em 2014

Gratidão – Para Raquel, o apoio da família foi fundamental em cada conquista. “Sou muito grata por meus guerreiros pais terem me incentivado a vencer dificuldades ou barreiras. Uso implante coclear desde os 22 anos, ouço o mundo ambiente e algumas palavras úteis, mas não entendo a voz humana total e a tonalidade de uma música profundamente”, explica.

A determinação de Raquel encantou até a intérprete de libras, que trabalha há quase 5 anos nessa área e, atualmente, está à frente de um projeto com surdos na área religiosa. “Ela mesma me procurou para o campeonato. Estou encantada com a determinação e a garra de Raquel. Atleta, se formando em Educação Física e agora também atuando na arbitragem do esporte ao qual ela é apaixonada”, afirma Julia Rodrigues.

Ao lado da estagiária, a intérprete passava em libras todas as informações dadas às equipes, os procedimentos a serem realizados, as conversas e o que estava sendo falado ao microfone, para que Raquel ficasse completamente em sintonia com tudo e pudesse atuar de maneira eficiente na função a qual foi designada.

Sempre determinada, Raquel que foi a primeira surda triatleta nacional

Sempre determinada, Raquel foi a primeira surda triatleta nacional

Dificuldades – Apesar de toda a determinação, Raquel ainda enfrenta algumas dificuldades. “Perdi algumas células neuronais. Leio os lábios articulados através dos gestos e da expressão facial. Falo mais ou menos. As pessoas se acostumam a entender a minha voz depois de um tempo. A língua de sinais facilita muito a comunicação para a pessoa com surdez ou deficiência auditiva”, explica.

Mas, o uso de máscaras de proteção facial devido à pandemia trouxe um desafio a mais, com as bocas cobertas, impedindo a leitura labial. Hoje, Raquel não consegue ler os lábios cobertos das pessoas, mas usa m aplicativo de voz, transformando em texto. “Quando acabar a pandemia e abandonarmos as máscaras, ela poderá fazer a leitura labial durante a arbitragem nas competições e também já vai estar com as informações bem absorvidas”, aposta Júlia.

Apesar de hoje haver tecnologia, educação e benefícios para as pessoas com deficiência, Raquel lembra que ainda existe um longo caminho a percorrer, vencendo barreiras e discriminações. “É um dos princípios básicos da empatia: se você espera respeito, trate os outros com respeito”, ensina Raquel.

Raquel deixa um recado para deficientes que têm medo de enfrentar o mercado de trabalho. “É importante ter paciência, empatia, respeito, amizade, comunicação inclusiva, conhecimentos sobre a acessibilidade, a tecnologia e as dificuldades para que uma deficiência consiga se desenvolver. É importante estimular o trabalho em equipe e o relacionamento interpessoal. O deficiente tem capacidade e habilidades. Depende da pessoa. O desafio muda o ser humano.”

Ao saber que a ABDA oferece a natação paralímpica, Raquel fez questão de deixar um incentivo para novos atletas. “Quero que incentivem os surdos a praticarem a natação na Arena ABDA, pois a natação é importante na vida de ser humano e para a saúde”, ressalta.

Paulistão de Natação na ABDA forma primeira árbitra surda

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